A cegueira é um problema que afeta muitas pessoas e representa uma grande dificuldade tanto na vida quotidiana como na educação inicial: a alfabetização. Louis Braille foi uma de suas vítimas ao ferir um olho quando brincava com uma ferramenta pontiaguda de seu pai, que era seleiro e a usava no seu trabalho na fabricação de objetos de couro. A cegueira total foi devida a uma infecção no olho ferido que contaminou o outro olho e levou à perda total da visão.

A tragédia não o impediu, porém, de frequentar a escola por dois anos e de se tornar ainda um aluno brilhante. Por essa razão, ele ganhou uma bolsa de estudos no Instituto Nacional para Jovens Cegos, em Paris, um colégio interno fundado por Valentin Haüy (1745-1822) [1] e aí, ao tomar conhecimento de um alfabeto composto de pontinhos impressos em relevos proposto por Charles Barbier para uso noturno pelos soldados do exército de Napoleão, passou a trabalhar no sentido de melhorar os códigos usados no alfabeto de Barbier. Após 3 anos de estudos, em 1824, criou um código de seis pontos, divididos em duas colunas de três pontos cada, que podem ser combinados de 63 maneiras diferentes. A posição dos pontos no código designa cada letra e a leitura é feita deslizando o dedo sobre cada letra, como mostrado na Figura abaixo. [2]

O sistema por ele proposto passou a ser designado como alfabeto Braille.  Entretanto o alfabeto Braille só foi adotado na França em 1854, um ano depois de sua morte aos 43 anos. O alfabeto Braille passou a ser usado em muitos países da Europa e em 1860 foi adotado nos Estados Unidos na Escola Para Cegos de Missouri (The Missouri School for the Blind) de Saint Louis, capital desse estado. [2]

No ano seguinte, foi apresentado ao mundo, na Exposição Internacional de Paris, por ordem do imperador Napoleão III (1808-1873), que programou ainda uma série de concertos de piano com ex-alunos de Braille. O sucesso foi imediato e o sistema se espalhou pelo mundo. Em 1952, o governo francês transferiu os restos mortais de Braille para o Panthéon, em Paris, onde estão sepultados os heróis nacionais. [3]

No Brasil, o método começou a ser adotado em 1856, mas infelizmente até 1948 não havia produção de livros em Braille no Brasil. Isto veio a se realizar  devido à ação de uma jovem cega, Dorina Gouvea Nowill (São Paulo, 28 de maio de 1919 — São Paulo, 29 de agosto de 2010) que ficou cega aos 17 anos em virtude de uma infecção ocular, ocasionada por uma hemorragia. A cegueira, contudo, não a impediu de seguir carreira na área da educação.

Em 1945, conseguiu convencer a Escola Caetano de Campos, onde cursava o magistério e viria a se formar como professora, a implantar o primeiro curso de especialização de professores para o ensino de cegos. Nessa época, livros em Braille eram raríssimos e ela teve que cursar a escola como estudante normal. Após diplomar-­se, viajou para os Estados Unidos com uma bolsa de estudos, paga pelo governo americano, para frequentar um curso de especialização na área de deficiência visual, na Universidade de Columbia.

Em 1946, organizou a Fundação para o Livro do Cego no Brasil, hoje conhecida como Fundação Dorina Nowill para Cegos, com o objetivo principal de produzir e distribuir gratuitamente livros em Braille. Ao participar de uma reunião com a Diretoria da Kellog´s Foundation, expôs o problema da falta de livros em Braille para os cegos brasileiros e a necessidade de se conseguir uma Imprensa Braille para a Fundação que tinha sido criada no Brasil. Em 1948, a Fundação Dorina Nowill para Cegos recebeu, da Kellog´s Foundation e da American Foundation for Overseas Blind, uma Imprensa Braille completa com maquinários, papel e outros materiais. Recebeu também o apoio do governo brasileiro e a ajuda financeira e técnica da American Foundation for the Overseas Blind.

Hoje a Fundação Dorina Nowill para Cegos dispõe de uma moderna imprensa Braille, que imprime e distribui livros para cerca de 800 escolas, para entidades de atendimento e para três mil cegos individuais. Livros em Braille são doados também a muitas bibliotecas municipais. [4]

Luta pela inclusão dos deficientes visuais

Entre os fatores de empatia e adesão Dorina priorizava as atividades musicais, sem dúvida um excelente recurso para a comunicação entre ela e os estudantes deficientes visuais.

Música, atividade natural de integração.
Música, atividade natural de integração.

A luta de Dorina Will pela inclusão social e educacional dos cegos no Brasil levou às seguintes atividades:
Em março de 1946, criação do grupo de amigas a Fundação para o Livro do Cego no Brasil.
De 1961 a 1973 exerceu a diretoria da Campanha Nacional de Educação de Cegos do Ministério da Educação e Cultura.
Atuou como presidente do Conselho Mundial para o Bem-Estar dos Cegos (atualmente a instituição se chama União Mundial de Cegos).
Criou em São Paulo o Departamento de Educação Especial para Cegos na Secretaria de Estado da Educação.
Colaborou na criação da União Latino Americana de Cegos.

Homenagens, Apoios e Premiações

Em 2004, Maurício de Sousa, numa homenagem a Dorina e ao seu trabalho na fundação Dorina Nowill, criou a personagem Dorinha, como um símbolo para a conscientização das crianças quanto à questão da deficiência visual.

O reconhecimento mundial da sua atuação em prol do desenvolvimento e da inclusão social de pessoas com deficiência visual é concretizado por meio de inúmeros prêmios, condecorações, títulos, comendas e outras recompensas concedidas por organizações do mundo todo, pelo governo brasileiro e por organizações brasileiras.[7]

Vida Pessoal

O carioca Edward Hubert Alexander Nowill, estava nos EUA importando geladeiras e fogões para vendê-los no Brasil quando soube de uma brasileira que tocava violão. Foi vê-la e assim conheceu Dorina. Casaram-se em 1950. Como era protestante converteu-se ao catolicismo (com a mulher, ele acabaria conhecendo pessoalmente dois papas). Tiveram cinco filhos (Alexandre, Cristiano, Denise, Dorininha e Márcio Manuel), 12 netos e 3 bisnetos. [5] [6]. Alex foi advogado e se aposentou como agente fiscal de rendas depois de 35 anos atuando na área. Sempre apoiou a mulher em sua militância.

Lema de Dorina Nowill

A inspiradora vida de Dorina Nowill foi de luta contra grandes adversidades vencendo-as com grande perseverança e coragem, tanto sob o ponto de vista pessoal, como quanto aos seus ideais de educação inclusiva para com os deficientes visuais, seguindo fielmente o seu lema:

“Vencer na vida é manter-se de pé quando tudo parece estar abalado. É lutar quando tudo parece adverso. É aceitar o irrecuperável. É buscar um caminho novo com energia, confiança e fé.” [5]

Por tudo o que alcançou Dorina Will merece nossa total admiração e imenso respeito sendo justamente merecedora do título Dama da Inclusão.  


Referências

[1] https://super.abril.com.br/historia/a-historia-do-metodo-braile/

[2] https://universonerd.net/portal/ensino/dicas-e-curiosidades/voce-conhece-o-projeto-braille-bricks/attachment/alfabeto-braille/

[3] https://super.abril.com.br/historia/a-historia-do-metodo-braile/

[4] https://pt-br.facebook.com/asminasnahistoria/photos/dorina-nowillnascida-em-s%C3%A3o-paulo-no-dia-28-de-maio-de-1919-aos-17-anos-de-idade/1030994783652418/

http://www.ethelrosenfeld.com.br/dorinanowill.htm

[5] https://www.ebiografia.com/dorina_nowill/

[6] Estevão Bertoni, Folha de São Paulo, Cotidiano,04/04/2013 https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1256944-edward-hubert-alexander-nowill

[7] http://www.revistas.usp.br/comueduc/article/view/43333/46955


Yvonne P. Mascarenhas
Instituto de Física de São Carlos, USP
yvonne@ifsc.usp.br