Yvonne P. Mascarenhas
yvonne@ifsc.usp.br

Mary Dell Chilton nasceu em 2 de fevereiro de 1939 na cidade de Indianapolis do estado de Indiana, EUA. Estudou em escolas particulares tendo sido sempre ótima aluna. Ao tentar ingressar no ensino superior foi logo aceita na Universidade de Illinois e sua primeira escolha foi  o curso de Astronomia mas, não tendo sido imediatamente aceita, escolhe Química e conclui seu bacharelado em 1962 e seu PhD em Química em 1967 sob orientação de Benjamin D. Hall, um  pioneiro no estudo e caracterização da transcrição do RNA de uma parte do DNA de um organismo com a ajuda da enzima RNA polimerase segundo um mecanismo mostrado na figura 1.

Figura 1 – https://www.sobiologia.com.br/conteudos/Citologia2/AcNucleico5.php

Esses resultados levaram à hipótese da inserção de genes de um indivíduo em um gene de outro indivíduo da mesma espécie produzindo assim uma modificação genética e conferindo-lhe novas características.

Essas modificações já eram realizadas há muitos séculos através através do cruzamento sexuado de dois indivíduos de uma mesma espécie cujas características desejava-se modificar. A modificação das características visavam vários objetivos tais como maior produtividade, melhoria de propriedades funcionais em animais, tais como quantidade de leite produzida por vacas, tempo de maturação de bois de corte, diferentes tipos de tarefas a serem cumpridas com animais como cães para caça, pastoreio, companhia, ou melhoria das propriedades de plantas tais como maior produtividade, resistência a pragas, resistência a períodos de secas, etc. Esse processo obrigava a sua repetição através do cruzamento por várias gerações dos animais ou plantas envolvidos e, consequentemente, longo tempo de experimentação.

A descoberta de Mary Dell Chilton indicou claramente a possibilidade de modificar o DNA de um ser vivo no sentido de alterar alguma de suas propriedades através da inserção no mesmo do gene adequado. Inicia-se assim em vários laboratórios de pesquisa a corrida para concretizar essa promessa.  Resultados positivos foram alcançado em vegetais e apresentados, em 1983 durante o Quinto Simpósio de Inverno “Avanços na tecnologia do gene: Genética molecular de Plantas e Animais” ocorrido de 17 a 21 de janeiro 1983, Miami, Florida, por quatro grupos de pesquisa: o grupo de Mary Dell Chilton da Universidade de Washington, que transformou células de uma variedade de tabaco, Nicotiana plumbaginifolia, tornando-as resistentes ao antibiótico canamicina; o grupo de J. Schell da Univer­sidade de Gent na Bélgica, que regenerou plantas de tabaco resistentes ao metotrexato e a canamicina; o grupo da Universidade de Wisconsin, lidera­dos por J. Kemo e T. Hall que transformaram plantas de girassóis; e o grupo da empresa Monsanto que obteve plantas de petúnias transformadas com um gene quimérico que conferia resistência a Canamicina. É importante notar que Mary Dell Chilton era a única mulher líder de grupo de pesquisa.

Figura 2 – Cartaz do Simpósio e foto de Mary Dell Chilton em seu laboratório na Washington University , 1983, com suas plantas de tabaco

Esses primeiros resultados não tiveram imediatamente grande valor econômico, mas mostraram claramente a viabilidade do processo de alteração gênica para atingir resultados de interesse econômico e social. Com esse objetivo intensificou-se grandemente a pesquisa em laboratórios tanto acadêmicos como empresariais.

Após o evento, ainda em 1983, Chilton decide abandonar a vida acadêmica a convite da indústria farmacêutica Ciba-Geigy e funda o Centro de Pesquisa Biotech da Ciba-Geigy Corp. contratando vários pesquisadores e exercendo tanto atividades científicas como administrativas. Essa empresa mais tarde se tornou a Syngenta Biotechnology. Na Syngenta, Chilton construiu um dos principais programas de biotecnologia agrícola industrial do mundo, possibilitando o desenvolvimento de safras com maior produtividade devido à resistência a insetos, doenças e capacidade de tolerar condições ambientais adversas, como secas. Nessa nova posição ela recebeu vários prêmios e honrarias, incluindo o Prêmio Presidencial da Sociedade Americana de Ciência de Colheitas (Crop Science Society of America) em 2015, o Prêmio Mundial de Alimentação, a Benjamin Franklin Medal in Life Science, Rank Prize in Nutrition de 1985 e o World Food Prize de 2013 e, em 2011 uma vaga no Hall da Fama dos Inventores Nacionais do Smithsoniam Institute. Hoje, ela continua suas pesquisas na Syngenta em um prédio que leva seu nome.

As novas tecnologias podem gerar preocupação e temor nos consumidores e com os alimentos geneticamente modificados a situação não é diferente. Mas, como esclarece o Prof. Dr. Franco Lajolo em seu artigo para a revista Veja/Saúde, “os alimentos geneticamente modificados são avaliados segundo o processo internacionalmente estabelecido de análise de risco, que consiste na busca sistemática de informações científicas sobre um determinado efeito adverso, de forma a avaliar o risco envolvido e permitir a adoção de medidas para eliminar ou controlar sua ocorrência …. Levantamentos exaustivos em cima de estudos nos últimos 25 anos, conduzidos por diversos organismos oficiais e respeitáveis instituições acadêmicas, não relataram efeitos adversos para a saúde humana ou animal. Ao contrário, confirmaram a segurança dos alimentos transgênicos e a adequação da avaliação feita segundo os protocolos oficiais durante o seu desenvolvimento e na sua liberação pelos organismos regulatórios.”

Antônio Rodrigues Cordeiro, grande geneticista brasileiro, conclui seu artigo citado em fontes consultadas com o seguinte parágrafo: Portanto, a maior desvantagem das plantas transgênicas é que o povo acredita facilmente em propaganda contra algo novo, que dependa de conhecimentos científicos que ele não domina. É mais fácil continuar a usar alimentos conhecidos. Somente as populações mais instruídas, que têm confiança nos novos produtos resultantes da biotecnologia, se manterão à frente do progresso científico e tecnológico. A miséria, a fome e as doenças flagelam mais os povos menos instruídos.

Por todas essas razões devemos reverenciar o trabalho dos pioneiros em todas as áreas do conhecimento e, principalmente, às mulheres cientistas que desafiaram inúmeros preconceitos, mas que chegaram a brilhantes resultados como Mary Dell Chilton.


Referências

Mary Dell Chilton_National Museum of American History

Mary-Dell Chilton – Wikipedia

https://americanhistory.si.edu/american-enterprise/new-perspectives/only-one- room/mary-dell-chilton#menu-explore

https://saude.abril.com.br/blog/alimente-se-com-ciencia/o-papel-dos-alimentos-transgenicos/

Antônio Rodrigues Cordeiro Plantas transgênicas: o futuro da agricultura sustentável Dossiê  Transgênicos – Análise • Hist. cienc. saude-Manguinhos 7(2) • Out 2000

https://doi.org/10.1590/S0104-59702000000300018