Yvonne P. Mascarenhas
yvonne@ifsc.usp.br

Introdução

Tu You-You nasceu em 1930 na cidade de Ningbo, na costa leste da China. Sua família se preocupava muito a educação tanto dela como de seus quatro irmãos, mas ela teve que fazer uma pausa de dois anos nos estudos aos 16 anos por ter contraído tuberculose. Quando voltou à escola, sabia exatamente o que queria: Estudar: medicina. Ela queria encontrar cura para doenças como a que a afligira. Este seu desejo só pode ser realizado porque seus pais davam grande valor à educação e ela o revela ao receber o Prêmio Nobel:

De acordo com uma árvore genealógica recentemente descoberta, meus ancestrais viveram em Ningbo por muitas gerações. A longa história de nossa família que valoriza muito a educação infantil e sempre a considera a principal prioridade da família me permitiu ter boas oportunidades de frequentar as melhores escolas da região – desde a Escola Primária Ningbo Chongde (1936–1941) e mais tarde, a escola particular de Ningbo Escola Primária de Maoxi (1941–1943), a escola particular Ningbo Qizheng Middle (1943–1945) e a escola particular para meninas de Ningbo Yongjiang Girls (1945–1946). [1]

Ela concluiu seus estudos em 1951 na Ningbo High School e, aos 20 anos, passou no exame de admissão para a Universidade, permitindo que ela se matriculasse no Departamento de Farmacologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Pequim.

Formação Universitária

Nessa época a maioria dos cursos de farmácia, como farmacognosia, química medicinal e fitoquímica, foi projetada e ministrada por repatriados, como os professores Lin Qishou e Lou Zhicen que receberam educação e diplomas avançados nos países ocidentais. Embora o estudo farmacognóstico ou chamado de “drogas brutas” fosse sua especialidade, seu treinamento não se limitou a esse campo e Tu You-You participou de todo o treinamento básico nas modernas ciências farmacêuticas.

No curso de farmacognosia, o professor Lou Zhicen transmitiu conhecimento sobre as origens das plantas medicinais e como classifica-las, e as distinguir e identificar com base em suas descrições botânicas etc. No curso de fitoquímica, o professor Lin Qishou fez uma introdução abrangente e ensinou como extrair ingredientes ativos das plantas utilizando solventes adequados, como avaliar suas propriedades químicas e determinar as suas estruturas moleculares etc. Esses cursos forneceram informações científicas sobre ervas e plantas e, muito mais importante, ensinaram como os medicamentos fitoterápicos funcionam de um modo diferente daquele da medicina tradicional chinesa.

Formação Científica

Em 1955, com 24 anos, You-You se formou em Farmacologia e foi contratado pela Academia de Medicina Tradicional Chinesa e começou a pesquisar duas ervas tradicionalmente usadas para tratar esquistossomose e febres, respectivamente Lobelia chinensis, e Radix Stellariae.

Após fazer alguns trabalhos de pesquisa teve oportunidade de participar, entre 1959 e 1962, do programa de treinamento em teoria e prática médica chinesa organizado pelo Ministério da Saúde para profissionais com formação médica (moderna) ocidental. Esse treinamento associou seus conhecimentos de medicamentos tradicionais chineses à formação médica ocidental.

A Malária

A doença é geralmente transmitida pela picada da fêmea do mosquito Anopheles infectada com um protozoário da família Plasmodium. A saliva da fêmea infectada do mosquito carrega esperozoitos, que entram no sistema circulatório do hospedeiro, depositam-se no fígado, e aí se desenvolvem, se reproduzem assexualmente e são transportadas para outras partes do organismo humano pela circulação sanguínea. Os sintomas mais comuns são febrefadigavômitos e dores de cabeça.  Nos casos mais graves pode levar à morte. [2]

Durante a Guerra do Vietnã, tanto as forças vietnamitas como as americanas estavam sendo fortemente atacadas por uma epidemia de malária. Por essa razão o governo do Vietnã do Norte solicitou a ajuda da China para o tratamento dessa doença.

Como a malária, já havia se tornado resistente à cloroquina, medicamento que era o padrão para o seu tratamento, as forças americanas também estavam sofrendo muito com malária. Na busca de um novo medicamento pesquisadores no Ocidente testaram mais de 200.000 compostos químicos procurando, em vão, por um novo medicamento eficaz para a doença. [3]

A Busca Chinesa por um Medicamento Anti-malárico

No início de 1969, o governo chinês a nomeou Tu You-You chefe de pesquisa do Projeto 523, cujo foco era a busca de uma cura para a malária. Embora nessa época a maioria dos trabalhos de pesquisa científica na China tivesse sido interrompida, a pesquisa militar continuava. Como o Vietnã do Norte havia solicitado ajuda da China contra a malária, que estava afetando pesadamente suas forças armadas na Guerra do Vietnã, e também as províncias do sul da China estavam atormentadas pela malária, Tu You-You foi enviada para a ilha de Hainan  (China), onde a doença era endêmica. Tu You-You começou a viajar pela China, pesquisando textos antigos que mencionassem tratamentos para a febre, especialmente as febres recorrentes, que são uma característica da malária.

Tu You-You recorreu a textos médicos chineses das dinastias Zhou, Qing e Han para encontrar tratamentos pela medicina tradicional para a malária. Em três anos, sua equipe de projeto examinou mais de 2.000 tratamentos tradicionais e testou, em ratos, 380 extratos de ervas. Em 1971, eles encontraram um extrato da planta Artemisia annua, cujo nome comum é absinto doce, que foi altamente eficaz na supressão de parasitas de Plasmodium falciparum em camundongos e macacos.

Tu You-You aperfeiçoou uma metodologia a baixa temperatura para purificar o extrato de absinto doce, aumentando sua eficácia e reduzindo drasticamente sua toxicidade. Ela então testou o extrato purificado em si mesma e em dois voluntários de sua equipe, antes de iniciar ensaios clínicos com outras pessoas no outono de 1972. Para produzir uma quantidade suficiente da droga para ensaios clínicos, Tu You-You e sua equipe utilizaram equipamentos domésticos: isso era necessário porque o governo havia fechado os laboratórios farmacêuticos de produção de medicamentos em escala. Enquanto produzia o medicamento para ensaios clínicos, Tu You-You e membros de sua equipe ficaram doentes devido à exposição a solventes tóxicos. Em 1972, ela obteve a artemisinina na forma de substância farmacêutica pura, e descobriu sua estrutura química.

Fig. 1 Tu You-You apresentando uma conferência sobre a artemisinina.

Em 1973, Tu You-You realizou outras experiências com artemisinina e produziu acidentalmente um novo medicamento, a dihidroartemisinina. Testes com a artemisinina e a dihidroartemisinina revelaram que ambas são altamente eficazes em preparações antimaláricas e passaram a fazer parte do tratamento anti-malárico padrão em todo o mundo.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde,

“Entre 2000 e 2015, a incidência da malária entre as populações em situação de risco (taxa de casos novos) caiu 37% em todo o mundo. Nesse mesmo período, as taxas de mortalidade pela doença entre as populações em risco diminuíram 60% entre todas as faixas etárias e 65% entre crianças com menos de cinco anos.

A África Subsaariana carrega uma parcela desproporcionalmente alta da carga global da malária. Em 2015, a região era responsável por 88% dos casos da doença e de 90% das mortes em decorrência dela.” [5]

Esses resultados se devem em grande parte, à disseminação do uso de mosquiteiros tratados com inseticida e da terapia combinada de artemisinina e derivados. [3]

O prêmio Nobel

Em 2015, Tu You-You ganhou o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina por seu trabalho. Em seu discurso de posse do Prêmio Nobel ela fez questão de enfatizar que o  importante resultado, objeto do Prêmio Nobel, devia-se não só a ela mas também a toda a numerosa equipe de seus colaboradores. Ela é a primeira cientista chinesa do continente a receber o Prêmio Nobel em uma categoria científica e o fez sem doutorado, diploma de medicina ou treinamento no exterior. Ela termina sua conferência reconhecendo que o esforço contra a Malária ainda tem que continuar porque:

“Continuamos nossos esforços de pesquisa sobre artemisinina para entender seus mecanismos de ação e prevenir ou retardar o desenvolvimento de malária tolerante ou resistente à artemisinina. A expansão das aplicações clínicas da artemisinina também é de interesse para a saúde pública. Sabemos o que ela pode fazer, mas precisamos saber por que e como isso acontece, o que mais ela pode fazer e como pode fazer melhor..”

A luta segue no mundo inteiro visando minorar o sofrimento das vítimas da malária, principalmente nos países e regiões mais pobres do nosso planeta. Assim comenta o Dr. Marcus Vinicius Lacerda pesquisador da Fundação de Medicina Tropical Dr. Heitor Vieira Dourado do governo do Amazonas em Manaus:

“Entretanto a luta contra infecções é contínua, pois é praticamente inevitável o surgimento de resistência de micro-organismo aos medicamentos.” [4]

Um dos aspectos mais relevantes de toda a luta de Tu You You reside no fato da malária ocorrer principalmente nas regiões social economicamente mais pobres do planeta constituindo as chamadas doenças negligenciadas pelas indústrias farmacêuticas. Por essa razão ela e todos os pesquisadores que trabalham nessa área merecem todo o nosso respeito e admiração.

Detalhes pessoais

Tu You-You casou-se com Li Tingzhao, ex-colega de escola e engenheiro metalúrgico. Eles tiveram duas filhas.Quando Tu You-You foi à ilha de Hainan para trabalhar no Projeto 523, seu marido, engenheiro metalúrgico, foi considerado “muito privilegiado” e retirado de sua família pelo governo e enviado para ser “reeducado” trabalhando como camponês em uma área rural. A filha de quatro anos do casal foi cuidada em um creche de Pequim, enquanto a filha de um ano foi cuidada pelos pais de Tu You-You. Seus filhos não conheciam Tu quando ela finalmente os viu depois de três anos de separação. Hoje Tu You-You é a cientista-chefe da Academia de Ciências Médicas Chinesas Tradicionais em Pequim. [3]


Referências

[1] https://www.nobelprize.org/prizes/medicine/2015/tu/facts/

[2] https://saude.gov.br/saude-de-a-z/malaria

[3] https://www.famousscientists.org/youyou-tu/

[4] https://revistapesquisa.fapesp.br/2015/11/17/corrida-contra-a-malaria/

[5] https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5287:malaria-2&Itemid=875